ORLANDO LIMA
A GUERRA É O HORIZONTE DA POLÍTICA
Ou: por que o liberalismo sempre irá falhar com a política?
ORLANDO LIMA
31 OUT. 2025

O general prussiano Carl von Clausewitz formulou uma das máximas mais duradouras da história do pensamento político: “a guerra é a continuação da política por outros meios.” Essa sentença, tantas vezes repetida e reinterpretada, permanece como uma das expressões mais puras da relação entre poder e conflito. Clausewitz não estava apenas descrevendo a guerra em sentido bélico, o que ele propunha com isso era revelar a essência estrutural da política — isto é, o fato de que toda política é, no fundo, uma disputa de forças travestida de diálogo.
Em última instância, a política é o campo em que a competição se transforma em coerção legitimada. Governa-se não apenas pela força, mas pela crença na legitimidade da força. É essa crença que converte o poder em autoridade e a violência em lei. No momento em que a legitimidade se dissolve, o Estado torna-se apenas um predador ameaçado, tal como um urso ferido que, sem mais ter a potência frente ao outro, morde.
A autoridade, diferentemente da mera violência física, é o exercício simbólico do poder, que podemos traduzir como a capacidade de impor obediência sem precisar golpear. Um urso que não ataca demonstra o domínio de sua força, não sua fraqueza. O fato de poder destruir e escolher não fazê-lo é o que define o poder legítimo. Assim também é o Estado, onde sua autoridade não reside nas armas que empunha, mas na consciência generalizada de que, se quiser, pode empunhá-las — e vencer.
Os liberais, no entanto, buscaram dessubstancializar o Estado, transformando-o em uma mera engrenagem administrativa, um gestor de recursos e contratos. Através dessa mundivisão, o Estado reduz-se a uma empresa que busca eficiência, harmonia e estabilidade — uma espécie de “departamento de logística social” das Casas Bahia.
A política converte-se em economia, e o conflito, em erro de gestão. Essa ilusão tecnocrática, embora funcional em tempos de abundância, revela-se fatal quando as estruturas começam a ruir.
É por isso que o mundo assiste, novamente, ao retorno da política em sua forma mais crua: o confronto, seja através de guerras regulares, híbridas e assimétricas; conflitos civis e disputas internas por hegemonia. Tudo isso é sintoma da falência da utopia liberal, um projeto que, ao pretender abolir a guerra e pacificar o mundo, acabou por suprimir o próprio motor vital das sociedades. O liberalismo, em seu ímpeto universalista e totalizante, não tolera as diferenças culturais nem as formas locais de poder. É uma forma colonial de pensamento, que impõe uma paz inorgânica, uma paz de cemitério.
O sempre necessário e atual Carl Schmitt, ao reinterpretar Thomas Hobbes, compreendeu que o horizonte último da política é a disputa pelo poder, e que o estado natural do homem político é a guerra. Toda decisão política é, em última análise, uma decisão sobre o inimigo. A legitimidade, portanto, não nasce do consenso, mas da conquista.
Nenhum poder é legítimo se nasce de concessão, porque o ato de conceder já pressupõe uma hierarquia prévia — o verdadeiro soberano é sempre aquele que decide, que conquista, não o que aceita. Quando ambos os lados pactuam sem um vencedor claro, a autoridade se dissolve no meio do caminho.
Daí decorre a lógica dos impérios duradouros: toda civilização que almeja estabilidade deve garantir que seu poder militar seja superior às suas esferas social e econômica. A economia e a cultura só florescem sob o abrigo das armas. O poder das legiões romanas sustentou o direito e a filosofia; o poder da marinha britânica sustentou o comércio e a ciência; o poder nuclear norte-americano sustentou o liberalismo global.
No fim, toda complexidade moderna desemboca na equação histórica onde a espada garante a coroa, e não o contrário.
Em suma, a legitimidade política só existe enquanto o Estado é capaz de proteger seus cidadãos de ameaças externas e internas. Tudo o mais — políticas sociais, liberdades civis, tecnocracia, progresso — é secundário. É por isso que a soberania verdadeira deve apoiar-se em um trinômio fundamental:
– Autossuficiência energética, para não depender da vontade alheia;
– Autossuficiência alimentar, para sobreviver à escassez;
– Alta capacidade industrial, para sustentar a defesa e a produção estratégica.
Esses três pilares convergem, em tempos de crise, no núcleo essencial do poder: o aspecto militar. É ele quem decide o destino das nações — quem sobrevive, quem se submete e quem desaparece.
Em última análise, pensar a política sem pensar a guerra é o mesmo que imaginar a vida sem o instinto de sobrevivência. A guerra é o horizonte que dá sentido à existência das sociedades. Ela é o ponto de origem e de retorno de toda ordem. Esquecer disso é deixar de ser político e escolher nos se tornar apenas administrador do colapso.